Na terceira e última
parte da entrevista com o historiador e professor Jhonatas Monteiro, do PSOL, o
Protagonista questionou sobre o momento político de Feira de Santana. Jhonatas
destaca a necessidade de combater o clientelismo e critica o que chama de “aliança
muito forte com o pior do empresariado de Feira”.
O Protagonista – Como
você analisa o atual quadro político em Feira de Santana?
Jhonatas Monteiro – Para
enfrentar a situação é importante a gente pensar o histórico recente que
produziu esse cenário, entender aquilo que costumo chamar de modernização
conservadora que marca Feira de Santana. É uma modernização que implica certas
mudanças na realidade do município, mas é conservadora porque deixa os mesmos
interesses no lugar, os mesmos privilegiados no comando. Feira tem uma riqueza
muito forte do ponto de vista da sua capacidade econômica, para além dos
governos, eu diria. Isso gera muita riqueza material, infelizmente na mão de
pouca gente. Ao mesmo tempo, tem também uma riqueza cultural imensa porque é
uma cidade-encruzilhada, marcada pelo encontro de diversas formas entre quem cá
já estava e os diferentes migrantes que vieram para cá. Tudo isso traz um
potencial popular muito forte para o que Feira de Santana pode ser e muitas
vezes se manifesta de forma vibrante na cultura: nas quixabeiras, em figuras
como Bié, na música da Rua Nova ou, como outro exemplo, no que a juventude tem
produzido em linguagens como o rap e o rock. Então, há um potencial fantástico,
mas um potencial permanentemente negado por uma contradição. Feira cresceu, mas
cresceu e piorou. Nós temos coisas de ruim que são partes daquilo que uma
“cidade grande” já tem e, ao mesmo tempo, não temos as coisas positivas que uma
cidade maior possibilita do ponto de vista da garantia de serviços públicos e
do incentivo público à vida cultural. E muito dessa modernização conservadora
foi politicamente administrado pela figura de José Ronaldo. Não se trata do
inventor disso, porque ele não tem essa capacidade. Um gerente, digamos. Foi
isso o que definiu o município de 2000 para cá, depois daqueles problemas
administrativos que marcaram os governos da segunda metade dos anos 1990. Era
um cenário que o básico do básico no funcionamento do município, como a coleta
de lixo ou a iluminação pública, ficou em xeque. O que o primeiro governo de
José Ronaldo fez foi apenas normalizar algumas dessas coisas, o que é o “feijão
com arroz” da administração, mas foi vendido como um “grande feito”. Como parte
desse pacote, José Ronaldo buscou algum modo de mostrar que há “mudanças” no
município a partir de obras pontuais e caras, em geral inadequadas. Esse é o
caso, por exemplo, dos viadutos.
O Protagonista – E, em
sua ótima, como isso acontece?
Jhonatas Monteiro - De lá
para cá, o que houve é a constituição de um esquema para manter isso tudo. Um
esquema baseado em corrupção porque é sabido em Feira que há uma negociação
política intensa de empregos, exames, consultas e outros serviços públicos. Na
prática, como disse antes, são direitos das pessoas negociados como se fossem
favores. O que garante, de quebra, uma Câmara Municipal dócil ao governo. Outra
parte desse esquema, obviamente, é um processo permanente de compra de
lideranças comunitárias. Associações que recebem algum tipo de subvenção ou
outra vantagem que, na verdade, é uma vantagem que se torna pessoal para a dita
“liderança comunitária” que controla a entidade. A terceira sustentação é um
“agrado” às ditas “famílias tradicionais”, inclusive com cargos no segundo escalão,
e uma aliança muito forte com o pior do empresariado de Feira. Quando digo
“pior” porque é o que pensa só no curto prazo dos seus interesses mesquinhos de
lucro. Para detalhar o exemplo de antes, é aquele setor que não se importa se
aterrar uma lagoa vai provocar danos não só à situação ambiental do município
como um todo, mas também danos diretos ligados ao risco para famílias que morem
perto. O pior é que esse aterro vai ser devidamente autorizado ou, no mínimo,
contar com a conivência do poder público porque interessa a determinados grupos
empresariais ganhar dinheiro com isso. Os governos de José Ronaldo foram uma
aliança com esse tipo de setor. Esse esquema é muito forte porque agrega o
interesse mais mesquinho de diferentes setores sociais, atendendo esses
interesses mesmo que o preço disso seja o futuro do município – Pelo menos um
futuro que acolha a maioria da população feirense em sua diversidade. Basta
ver, por exemplo, os embates que acontecem com as questões essenciais do
município como os feirantes. Apesar de ser a alma de Feira, essa é uma
categoria profundamente maltratada pelo poder público. Basta ver as condições
das feiras ou a destruição que está acontecendo agora no Centro de
Abastecimento. Isso em um lugar que tem feira até no nome.
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